Posts Tagged ‘Desintegração’

Canibais sob cannabis

03/04/2011

Espaço Aéreo Brasileiro, 26/11/10

15:40 hs

Porto Alegre ficou para trás. À frente, uma rota nublada e uma São Paulo encoberta.

Falta um mês para o ano acabar. O primeiro ano do resto da minha vida está chegando ao fim. Ano do Tigre, de mudanças drásticas, de ver o que era sólido se desmanchar no ar. Contudo, espero que este avião continue sólido, por muitas viagens ainda. Aviões se desmanchando no ar, só em Lost. Quando terminou a série, senti que algo na minha vida também estava acabando. A única série que segui na minha vida adulta. Fiquei triste.

O I Ching também falou em Desintegração. Mas o sentido profundo da Desintegração demora para ser percebido. Procuramos desesperadamente o Novo, para preencher o vazio, esta ânsia causa sofrimento, bebedeiras ao volante, grosserias com as pessoas amadas e uma vontade crescente de mandar tudo se fuder. O Novo não pode ser intimado, planejado, não obedece à nossa vontade. Ele já existe, mas se manifestará à seu tempo. Estamos dirigindo um carro com o vidro enlameado e não sabemos qual é o botão do limpador de pára-brisa. Vamos apertando os botões à esmo. Alguns deles acenderão algumas luzinhas, acionarão a buzina, nos entreterão momentaneamente. Alguns desligarão o motor, retardarão nossa viagem. Alguns reclinarão o banco, descansaremos. Um deles abre as portas, para aquela carona inesperada. Um deles aciona o ejetor automático, aí adeus carona… Só temos que tomar cuidado para não acionar o nosso ejetor… aí, adeus viagem. Mas como não sabemos qual botão é pra quê, tudo pode acontecer. Ou nada.

Tocamos em tantos lugares que eu nem sei por onde começar. Nem onde terminar, pois o melhor show é sempre o próximo… Eu esqueço todos os “Obrigado por uma noite inesquecível!”, bradados ao microfone, depois de umas duas semanas, no máximo. No começo da minha carreira eu lembrava de todos os shows feitos no ano! Será que vai chegar o dia em que eu vou acordar e não vou lembrar do show da noite anterior? Meda, meda…

O que fica são as coisas extraordinárias que acontecem, os eventos fora da rotina, as pessoas que conhecemos e os lugares novos que visitamos. O show em si, a interpretação das músicas, dificilmente permanece na memória, mesmo tendo sido extraordinário também. No fundo penso que o sentido maior desse blog, para mim, é deixar um relato desses momentos, pois até eles estão se perdendo.

Falando nisso, o que mais extraordinário aconteceu nestes últimos dias foi o nosso show em BH, para a Rádio Mix. Tocamos de tarde, ao ar livre, na Praça da Estação, no centro da capital mineira. O palco foi armado em frente ao prédio de uma antiga estação de trem. Um prédio belíssimo. Um dos locais mais bonitos onde já toquei. Normalmente tocamos à noite em recintos e arenas, todos iguais e horrorosos. Tocar em locais históricos, ou ao lado de belezas naturais, são raros. Mesmo os shows em praias costumam ser à noite. Lembro de um show em Alfenas-MG, no campus da universidade federal, um anfiteatro em meio à um bosque. Lembro da Pedreira Leminski em Curitiba, ainda com o Loro. Garoava, descíamos uma longa escadaria…

Enfim, BH arrasou mais uma vez. Foi um show épico, trinta mil pessoas ao entardecer, cantando juntas. Contudo, o melhor ainda estava por vir. O show acabou por volta das 19:00 hs, o dia ainda estava claro. A banda francesa Phoenix ia fazer um show no mesmo dia, às 21:00 hs. Consegui armar de ir com uns amigos, então assim que o nosso show terminou fui correndo para o hotel, tomei um banho e me mandei para o Chevrolet Hall. Pensei que meus companheiros de banda não perderiam a oportunidade, mas tirá-los do camarim foi impossível. Às vezes penso que o camarim é como um útero, de onde não queremos sair, onde ninguém entra, onde vivemos um momento seguro, repetido, isolados e auto-suficientes. O mundo exterior é um turbilhão de rostos e quereres, ávidos por mais uma foto, uma lembrança, uma roupa, a mão, o braço, o coração, a alma. (continua)