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Canibais sob cannabis – final

11/04/2011

O mundo exterior é sobressalto, desafio, frustração e, muito de vez em quando, recompensa. Construído por rotinas obtusas às quais temos que nos adaptar, a vida inteira. Fora do nosso controle, por mais que nos julguemos donos dos nossos narizes, senhores dos nossos destinos.

Quando um artista, ou qualquer um, cria algo novo, genuíno, original, ele abre um caminho, um vetor, propõe uma indagação que põe em cheque nossas crenças e valores. Essa alteração na ordem do sistema, esse vírus cultural, essa ‘caixinha de surpresas’ conforme William Gibson num de seus romances, sugere que o mundo pode ser visto, e porque não ouvido, provado, sentido, vivido, de uma maneira diferente. As pessoas gostam de mudanças? Você tomaria a pílula verde ou a vermelha?

Embora procurem a normalidade, as pessoas anseiam por qualquer coisa que as tire do abismo da rotina e da falta de sentido da vida. Não é por isso a nossa curiosidade mórbida por acidentes e tragédias? Nossa necessidade de ter uma paixão, qualquer uma? A Paixão de Cristo?

Lutamos por uma vida organizada, ordeira, um lar-doce-lar onde a monotonia, a segurança e a repetição são a suprema conquista. Mas quando sentimos por um instante o perigo do imprevisível… quando nos jogamos na balada… quando nos perdemos nos carinhos de um novo amor… quando pisamos aquela praia deserta… quando ouvimos aquela música… aceleramos e não pensamos nas consequências. Viver sem paixão é o limbo.

Temos duas ferramentas à disposição, que podemos usar para mudar o mundo e à nós mesmos. Uma é a criatividade, que vem da observação, educação e determinação, com o auxílio luxouso da inspiração, do insight. A outra é a violência, que vem do poder, corrupção e mentiras, e que depende basicamente da ignorância e do medo. Dois lados da mesma moeda. Qual você escolhe? Qual mundo você escolhe?

Só vou depor minhas armas/Por alguém que valha a pena lutar

Divaguei. O show do Phoenix no Chevrolet Hall foi moderno, envolvente, carismático. A luz, antes de ter mil parafernálias, tinha criatividade. Se variedade é o tempero da vida, criatividade é usar o mesmo tempero de muitas outras formas. As canções surpreendem nos arranjos, fogem do convencional. Gostei do baterista, com suas levadas de tambores, e dos diálogos e contra-pontos entre as guitarras.

Lá pelas tantas o vocalista resolveu se jogar à platéia. Ignorou solenemente a pista premium, ali um estabaco no concreto seria certo o seu destino, foi direto para a pista dos comuns, se equilibrando numa grade que as separava da arquibancada lateral. Parou à poucos metros da platéia, que urrava em antecipação. Talvez o cabo do microfone tivesse esticado até o limite, ou talvez ele estivesse longe demais do palco, fora do alcance dos seus seguranças. Talvez um leve temor à respeito de que tipo de tratamento que nós, índios sulamericanos subdesenvolvidos, canibais sob cannabis (bom nome para uma banda!), dispensaríamos ao ilustre visitante do Velho Mundo… Então… jogou o microfone para a platéia. O dono do equipamento de som deve ter urrado de raiva.

A companhia dos meus amigos mineiros, o casal Cris e Silvana, e seu amigo, Marcelo Diogo, foi o ponto alto da noite. Além dos bons papos e da boa companhia, me trataram como um rei. A pista premium, não confundir com pista expremium, tinha cerveja grátis. Meus anfitriões não deixavam meu copo esvaziar. Nem deixavam eu ir pegar no balcão! Chiques no último. Quando o líquido começava a esquentar, lá vinham eles com um copo novinho, cheinho, geladinho. Precisa dizer como fiquei? Depois do show fomos comer uma pizza maravilhosa, num lugar bonito, com pessoas bonitas, cujo nome eu não faço a menor idéia. Num rasgo de bom-senso eu pedi uma margarita, então… perda total.

Chegar bêbado em hoteis acontece de vez em quando. As mais engraçadas são quando passamos a noite enchendo a cara na bumba, e amanhecemos em alguma bucólica cidade do interior completamente chapados. Deve ser um momento digamos, estimulante, para as pessoas de bem, recém-acordadas, de banho tomado, cheirosinhas, prontas para mais um fulgurante dia, ver aquele bando de bardos briacos (outro bom nome!) invadir seus pacatos lobbies.

Acordei ainda com as lentes de contato. Pelo menos não sentia nenhuma dor em local de acesso restrito… Liguei para o Marcelo, com medo de ter feito alguma besteira ou dito alguma grosseria, mas, espero que não por cortesia, ele disse que tudo correu bem, eles me largaram no hotel e deram risada enquanto eu cambaleava em direção ao elevador. Chique no último?

Canibais sob cannabis

03/04/2011

Espaço Aéreo Brasileiro, 26/11/10

15:40 hs

Porto Alegre ficou para trás. À frente, uma rota nublada e uma São Paulo encoberta.

Falta um mês para o ano acabar. O primeiro ano do resto da minha vida está chegando ao fim. Ano do Tigre, de mudanças drásticas, de ver o que era sólido se desmanchar no ar. Contudo, espero que este avião continue sólido, por muitas viagens ainda. Aviões se desmanchando no ar, só em Lost. Quando terminou a série, senti que algo na minha vida também estava acabando. A única série que segui na minha vida adulta. Fiquei triste.

O I Ching também falou em Desintegração. Mas o sentido profundo da Desintegração demora para ser percebido. Procuramos desesperadamente o Novo, para preencher o vazio, esta ânsia causa sofrimento, bebedeiras ao volante, grosserias com as pessoas amadas e uma vontade crescente de mandar tudo se fuder. O Novo não pode ser intimado, planejado, não obedece à nossa vontade. Ele já existe, mas se manifestará à seu tempo. Estamos dirigindo um carro com o vidro enlameado e não sabemos qual é o botão do limpador de pára-brisa. Vamos apertando os botões à esmo. Alguns deles acenderão algumas luzinhas, acionarão a buzina, nos entreterão momentaneamente. Alguns desligarão o motor, retardarão nossa viagem. Alguns reclinarão o banco, descansaremos. Um deles abre as portas, para aquela carona inesperada. Um deles aciona o ejetor automático, aí adeus carona… Só temos que tomar cuidado para não acionar o nosso ejetor… aí, adeus viagem. Mas como não sabemos qual botão é pra quê, tudo pode acontecer. Ou nada.

Tocamos em tantos lugares que eu nem sei por onde começar. Nem onde terminar, pois o melhor show é sempre o próximo… Eu esqueço todos os “Obrigado por uma noite inesquecível!”, bradados ao microfone, depois de umas duas semanas, no máximo. No começo da minha carreira eu lembrava de todos os shows feitos no ano! Será que vai chegar o dia em que eu vou acordar e não vou lembrar do show da noite anterior? Meda, meda…

O que fica são as coisas extraordinárias que acontecem, os eventos fora da rotina, as pessoas que conhecemos e os lugares novos que visitamos. O show em si, a interpretação das músicas, dificilmente permanece na memória, mesmo tendo sido extraordinário também. No fundo penso que o sentido maior desse blog, para mim, é deixar um relato desses momentos, pois até eles estão se perdendo.

Falando nisso, o que mais extraordinário aconteceu nestes últimos dias foi o nosso show em BH, para a Rádio Mix. Tocamos de tarde, ao ar livre, na Praça da Estação, no centro da capital mineira. O palco foi armado em frente ao prédio de uma antiga estação de trem. Um prédio belíssimo. Um dos locais mais bonitos onde já toquei. Normalmente tocamos à noite em recintos e arenas, todos iguais e horrorosos. Tocar em locais históricos, ou ao lado de belezas naturais, são raros. Mesmo os shows em praias costumam ser à noite. Lembro de um show em Alfenas-MG, no campus da universidade federal, um anfiteatro em meio à um bosque. Lembro da Pedreira Leminski em Curitiba, ainda com o Loro. Garoava, descíamos uma longa escadaria…

Enfim, BH arrasou mais uma vez. Foi um show épico, trinta mil pessoas ao entardecer, cantando juntas. Contudo, o melhor ainda estava por vir. O show acabou por volta das 19:00 hs, o dia ainda estava claro. A banda francesa Phoenix ia fazer um show no mesmo dia, às 21:00 hs. Consegui armar de ir com uns amigos, então assim que o nosso show terminou fui correndo para o hotel, tomei um banho e me mandei para o Chevrolet Hall. Pensei que meus companheiros de banda não perderiam a oportunidade, mas tirá-los do camarim foi impossível. Às vezes penso que o camarim é como um útero, de onde não queremos sair, onde ninguém entra, onde vivemos um momento seguro, repetido, isolados e auto-suficientes. O mundo exterior é um turbilhão de rostos e quereres, ávidos por mais uma foto, uma lembrança, uma roupa, a mão, o braço, o coração, a alma. (continua)

Ah BH! – final

22/08/2009
Showtime! Os gritos do platéia estão cada vez mais altos: “Começa ! Começa!”  Entramos num palco pequeno, o público bem próximo. Para mim é uma benção, poder ver a platéia nos olhos. Mas também uma fonte de distração inesgotável. E de problemas. Quando encaro alguém, as vezes mostro a língua ou faço alguma gracinha, tipo piscar os olhos alternadamente. Já mandei viradas para determinadas pessoas. Tem uma levada que ficou clássica nas mãos do Charlie Watts, que consiste em não tocar a mão direita quando a esquerda toca a caixa. Nesta fração de segundo em que a mão direita fica parada é possível apontar alguém com a baqueta. As vezes eu encho as bochechas de ar. Um monte de macaquices que não tem nada a ver com tocar bateria. E claro, 90 % das vezes que eu apronto uma dessas eu erro, tipo dou uma baquetada fora de lugar, ou saio do tempo, as vezes a baqueta cai da mão, desastre supremo.
O público estava incrível! Uma zoeira, todos cantando tudo tão alto que cobria o som da banda! Eu vi a galera do fã-clube, muito legal! Todos tão felizes… Eles me deram uma camiseta comemorativa dos dez anos do Fã -clube, que eu pendurei na frente do bumbo.
Os problemas começaram. Por alguma razão a bateria estava montada diferente, as peças não pareciam estar em seus devidos lugares. As posições dos pratos estavam estranhas, os tons-tons meio tortos. Tentei arrumar durante as primeiras músicas, mas cada vez que eu mexia só piorava. O Léo, meu roadie, ficou louco, porque na verdade estava tudo como sempre foi. Então o chiado começou. Nos meus fones entrava um barulho de fritura, tipo quando você joga batata para fritar no óleo quente.
-“Tá fritando!”, eu gritei pra ele, e foi um corre-corre ligando e desligando cabos, correndo pra falar com o Nhá na mesa de monitor, mas não havia nada de errado, o som saía da mesa limpo. Era alguma coisa no meu sistema, só no meu, porque parece que nada aconteceu com os outros caras da banda. Eventualmente ele mexeu na antena do meu transmissor de FM, o chiado reduziu um pouco. Assim foi até o final do show. O som e a bateria conspirando contra mim, mas a platéia falou mais alto e o show pegou fogo.
Lá pela metade do show comecei a olhar para os mezaninos. A platéia ali ficava bem próxima, quase em cima da minha cabeça. Foi quando reparei uma menina de cabelo verde, no mezanino da direita. “Olha, a Natasha!” eu pensei, e fiquei vendo ela dançar e cantar. De repente, o que? Não acreditei, achei que tinha visto errado. De novo! Ela fez de novo! A garota começou a mostrar os peitos para a gente! No começo timidamente, depois escancaradamente. Achei que só eu tinha visto, mas quando olhei para os caras vi o Yves e o Fabiano rindo e olhando para cima. Mais um pouco estávamos todos rindo e olhando para cima!
Então eu vi o Dinho segurando um sutian. Depois outro, ambos pretos. Então caiu no palco uma sandália plataforma de acrílico enorme, salto quinze! Se batesse na cabeça de alguém o cara ia parar no hospital! Uma verdadeira arma branca. No caso, transparente! “Caraca! Elas estão descontroladas!”, pensei, e aí a perfeição técnica e o arranjo bem executado já não importavam mais. O show tinha entrado em outro patamar, raro e delicioso.
Parece que o Dinho falou qualquer coisa sobre Cinderela e sapatinho,  porque de repente começou a chover sapato no palco. Mas não eram arremessados contra a gente, pareciam mais sendo entregues, como presentes! Sai da bateria uma hora, o amplificador do Flávio e do Fabiano estavam cheios de pés de tênis em cima. Nada de tosqueiras não, bons tênis, All Stars novinhos, tênis bacanas. No final do show, antes do bis, eu pendurei um tênis no microfone do Fabiano e outro no microfone do Yves. Peguei a sandália de acrílico na mão, pude sentir o peso do sapatinho… Pendurei um sutian na bateria, enrolei outro na estante do microfone do Dinho! Isto sim é um palco de uma banda de rock ‘n’ roll! Só em BH mesmo!!!
Tenho certeza que mais coisas engraçadas aconteceram, mas a bateria é inclemente, eu não consigo ficar o tempo inteiro ligado na platéia. Em muitos shows acontecem coisas bizarras, mas eu estou lá no mundo do ritmo, movendo duas pernas e dois braços, tentando manter a pressão e a precisão,  simplesmente meu olhar desliga do mundo. Perco as cenas de fanatismo explícito, perco os olhares de êxtase e satisfação, as risadas, os gritos. Claro, tem vez que eu consigo captar um olhar fascinado, ou vejo uma menina fazendo um coração com as mãos para mim. O mais comum, porém, é, ao cruzar o meu olhar a pessoa mexer as duas mãos como se estivesse sei lá, chacoalhando dois chocalhos, e depois juntá-las com se estivesse rezando, implorando. O que será que elas querem dizer? Pessoas estranhas…
No dia seguinte a equipe foi desmontar o equipamento e embarcá-lo no caminhão para o show de sábado, em São José do Mantimento. No palco ainda havia vários sapatos e tênis. Parece que muita gente voltou para casa descalço… ou com menos roupas! Espero que pelo menos também com o coração feliz. Suados e com os ouvidos zoados, com certeza!

Ah, BH!

17/06/2009

Peguei o vôo das 15:40, destino Confins. Eu fui o único que resolvi voar, todos os músicos foram de nave-mãe. A equipe não tem escolha, vai do que a produção descolar. Mas eu queria passar a noite e a manhã em Sampa, e foi a melhor coisa que eu fiz.

Era feriado em Sampa, então chegar ao aeroporto foi uma brisa. Fiz o check-in eletrônico, em quinze minutos já estava dentro do avião. Foi tudo tão rápido que nem deu tempo de uma massagem pré-vôo. Às vezes eficiência demais tem o seu preço.

Foi meu primeiro vôo depois do acidente da Air France. Logo depois da decolagem o avião sacudiu, meu coração apertou. Nunca tive nenhum problema com aviões, adoro voar, mas as circunstâncias desse acidente são muito estranhas. Aparentemente a máquina perfeita, capaz de voar sozinha, traiu o homem. Eu estava viajando num aparelho do mesmo fabricante, embora não o mesmo modelo. Durante as sacudidas a imagem de pilotos tentando controlar uma máquina que dá informações erradas veio à mente. Tipo o computador HAL 9000 do filme 2001, que se volta contra os humanos. Nada bom.

Mas a turbulência parou logo, como sempre pára, e eu curti um vôo tranquilo, escrevendo o blog anterior.

No desembarque, surpresa, o Haroldo, nosso empresário, também estava no vôo. Não nos encontramos porque eu fui sentar no fundão, embarcando pela porta traseira, e ele chegou numa segunda leva e embarcou pela frente. Na viagem de van até o hotel conversamos sobre alguns assuntos delicados e fascinantes tais como a vida, a música das esferas e o Capital Inicial. Nada que não interessaria muitíssimo à você, nobre leitor/leitora, mas claro, que você nunca saberá. Ah, o doce sabor do segredo…

Calma e tranquilidade na chegada ao hotel. Onde estavam as hordas de fãs a nos esperar? Onde estavam as câmeras pipocando seus flashes, as agendas com suas páginas floridas esperando nossos garranchos, as cartas-quilômetro, as camisetas que nunca mais serão lavadas por causa de mais garranchos? Olhei em volta, procurei embaixo do sofá, nada. Cáspite! Será que não somos mais queridos? Será que os mineiros finalmente esqueceram a gente? Será que agora tocaríamos para sempre em pulgueiros semi-vazios, para platéias sonolentas e entediadas, o barulho de suas conversas mais alto que o rufar dos tambores e os riffs das guitarras? Não, não podia ser. Será que não estávamos em Belo Horizonte? Talvez, por alguma imperfeição no tecido do cosmos fomos parar numa cidade semelhante em algum mundo paralelo, tipo Novo Horizonte, ou Belo Visual? Horizonte Maneiro? Será que por algum motivo não tínhamos pegado a Avenida do Contorno, e sim a Avenida do Desterro? A Pirambeira do Esquecimento? Foi quando caiu a ficha. Claro, quem dá bola para um baterista? Aplacado por pensamentos lúgubres subi para o meu quarto. Pelo menos o hotel era confortável…

Montei meu laptop, liguei as caixas de som e o HD externo com minha biblioteca de 10.000 músicas. Se eu for ser esquecido, pelo menos terei uma trilha sonora digna… Na verdade eu estou no meio de um trabalho com todas essas músicas, separando por estilos e selecionando as mais bacanas, para eventualmente usar num set de DJ. Não tenho nada em vista, nenhuma gig marcada, mas sei lá, eu gosto MUITO de tocar músicas para as pessoas dançarem, as poucas vezes que toquei como DJ curti imensamente. Está mais do que na hora de organizar todo esse material que eu tenho.

(Continua)