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Além do Farol tem um Porto – parte 2

25/04/2011

O motivo verdadeiro de eu ter decidido ir à igreja naquele sábado é que meu melhor amigo havia me convencido à ir. Eu devia ter uns sete anos. A família dele, provavelmente católica, devia ter achado que era chegada a hora do Paulinho se instruir nos assuntos do Além, e o matriculou no aborrecimento. Ele, para não ir sozinho, me chamou. Quando chegamos lá, sentamos na roda e começamos a ouvir o padre falar. Acho que demorou um minuto. Até eu perceber que estava não numa igreja, mas no maior playground para um garoto da minha idade, em Brasília: um prédio em construção.

Olhei pro meu amigo, ele não parava quieto. Nem precisava dizer. As palavras do religioso eram completamente desprovidas de sentido, enquanto que aquele prédio era real, com passagens secretas, salas escondidas, ferramentas abandonadas e restos de material de construção. Escadas, rampas, subterrâneos. Um mundo desconhecido esperando os verdadeiros aventureiros desvendarem os seus segredos

Começamos a ficar realmente inquietos. A gente não parava de se mexer, sentava de um lado, do outro, cruzava os braços, descruzava, esticava as pernas, abraçava-as em seguida, então esticava de novo e se apoiava nas palmas das mãos, os braços esticados às costas, então rapidamente, num desafio supremo, se apoiava nos cotovelos, quase deitando no chão, e então se virava para um lado, dobrava os joelhos, levantava de novo, então olhava para o cara em pé falando, ele nos fuzilava com o olhar, continuava a lenga-lenga, então a gente cochichava, começava tudo de novo, cruza os braços, dá um bocejo, descruza e…:
– Meninos… Uma voz tão controlada que deixava passar nas entrelinhas imagens de bordoadas e submissão, um leve tremor na mão, um músculo tensionando involuntariamente no rosto, um volume de voz tão baixo que gritava no siêncio sepulcral daquela sala oca, as palavras escapando por pouco, aflitas, agonizantes, sibilando entre dentes rangendo:
– Vocês querem ir brincar?… Duas bolas de saliva em cada canto da boca, os olhos tremendo em suas órbitas.

Duas cabecinhas sacudiram pra frente e para trás. De um pulo saimos correndo, entramos por uma porta escura no fundo da sala e pronto, éramos 007 e Indiana Jones em busca do Sagrado Prego de Ouro, perdido há tempos imemoriais no Castelo Mal Ajambrado do satânico, oops, não, do benévolo Sr. Coroinha.

Algumas vezes passamos pela tal porta, enquanto corríamos livres, nos esbaldando no puxadinho do Éden. Olhávamos rapidamente para dentro da sala, saíamos correndo, escapando antes de ouvir o fatídico – Meninos, voltem aqui! – Eu via aquele grupo de pessoas sentado no chão, ouvindo aquele ser de outro planeta falar de um assunto metafísico, patafísico, e no meu raciocínio de sete anos não podia imaginar nada mais chato no mundo.

Hoje não sou mais um ateu, embora com certeza não seja católico nem ‘crente’. Existe algo do lado de lá, não é um velhinho de barbas brancas, esse é o Papai Noel. Sei do poder da prece, sei que as coincidências são um pouco mais do que soluços na Matrix. Este blog é sobre uma dessas ‘coincidências’. (continua)