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Alguém em João Pessoa – parte 3

20/03/2011

Bastaram os primeiros passos na areia, o vento cresceu, trazendo junto a chuva. Se continuasse no mesmo ritmo, sentiria frio. Voltar não era opção. Pegar um resfriado idém. Como manter o corpo quente? Hum, quem sabe, será, … comecei a correr. Um leve trote, estava há quase dois meses parado, ainda mais na areia. Procurei a parte plana da praia, correr com o pé torto ninguém merece. É bom correr na areia fofa, ou pelo menos onde seu pé afunde um pouco, a areia faz um molde e o apoio fica perfeito. Em dois minutos senti as pernas pesarem, a respiração mais intensa, então… Pronto. Estava em casa. Gosto de correr, é tudo questão de respirar e esvaziar a cabeça, não correr contra o tempo ou para algum lugar. É encontrar um ritmo, como um groove de bateria. O objetivo não é o fim da música, o aplauso, mas o caminho, o pulso, o movimento.

Estou em movimento/Movendo até o fim/Movendo até o fim do tempo

Logo era apenas eu, a areia, o mar. E a chuva. A rua ficava distante, a praia é larga aqui, não se ouvia o barulho da cidade. Depois de quase uma hora correndo eu estava ensopado, porém quente. Pensei no meu celular, dentro do bolso. Talvez não funcionasse mais. Lembrei de histórias de celulares molhados que voltam à vida depois de secos, e não me preocupei. Olhei para trás, o hotel muito distante agora, um borrão impressionista no fim da praia. À minha frente, a Ponta do Seixas.

A Ponta do Seixas é o ponto mais à Leste do Brasil. É o lugar mais próximo à Africa do nosso continente, sem contar as ilhas oceânicas. Eu estava me aproximando da mãe Africa… divaguei sobre navios-negreiros, sobre famílias despedaçadas, sobre o blues, sobre cantar a volta do que nunca mais voltará, dos que nunca mais voltarão.

A chuva diminuiu. Em mais alguns minutos eu cheguei ao final da praia. A areia fofa onde eu corria terminou, começou um trecho de areia dura com muitas pedras. A praia ficou estreita, na maré alta a água chegava até a calçada. Segui entre a água e o asfalto, observando o estrago que o mar havia feito. Trechos inteiros da calçada derrubados, suas entranhas de concreto e ferro retorcidos expostos, testemunho da impotência do homem frente à natureza. Mas somos engenhosos, tinhosos, e quando quebra a gente faz de novo.

A praia seguiu gentimente à esquerda, a rua fez uma curva à direita, a calçada desapareceu. Logo eu estava aos pés de uma falésia gigantesca, onde a costa do Brasil começa a virar do sentido oeste-leste para o sentido norte-sul. A falésia do Cabo Branco.

A maré estava baixa, eu acompanhei por alguns minutos o trabalho distante de dois homens, pescadores talvez, que remexiam nas poças formadas entre as pedras. Um terceiro, sentado numa bicicleta, me acompanhou com os olhos enquanto eu me afastava. Olhei por sobre os ombros algumas vezes, sentindo o peso do olhar estranho que me seguia. Um leve desconforto, que em um átimo se transformou em paranóias urbanas de assalto e sequestro. Então, à sombra de uma grande pedra de granito, provavelmente trazido pela maré, encontrei um pedaço de pau mais ou menos da minha altura, reto, liso. Poderia ter sido um pau de cerca. Naquele instante se transformou no meu cajado. Lembrei do macaco de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, quando, após o encontro com o monolito, pega um osso e arrebenta seus rivais. O macaco aqui se sentiu seguro, carregando um porrete, e não olhou para trás. (continua)

Citando a Wikipedia:

“Um importante marco geográfico situa-se próximo do Cabo Branco, o ponto mais oriental das Américas, denominado Ponta do Seixas.
Existe no bairro do Cabo Branco também uma importante formação geológica, o Cabo Branco, que já foi considerado o ponto mais oriental das Américas, mas devido ao processo de erosão marinha perdeu esse título para a Ponta do Seixas(que fica a menos de 1000 metros ao sul do mesmo).
Acima da falésia do Cabo Branco, situa-se um importante cartão postal da cidade, o Farol do Cabo Branco.”

Alguém em João Pessoa

06/03/2011

1

Era o terceiro dia de chuva na praia. Chuvas intermitentes, o dia inteiro. O sol tentava sair entre as nuvens, esquentava um pouco, a chuva tornava a cair. Resolvi ficar na cama, e, preocupado se não conseguiria pegar no sono novamente, apaguei.

Acordei em cima da hora para o café, depois das dez retirado com uma eficiência surpreendente. Um funcionário do hotel passava de mesa em mesa perguntando se queríamos mais alguma coisa, estavam retirando o bufê. Quando você olhava, só tinha migalhas.

Apressando minha sonolenta família conseguimos novamente ser os últimos. Tomei minha terceira xícara de café preto no salão deserto, observando os círculos de pingos na piscina. A chuva voltou. O que fazer?

Bel e Tomaz não se importaram que eu fosse andar pela praia. Ele estava quebrando todos os recordes no jogo de corrida do celular dela, ela apreciando cada hora extra de sono.

De bermuda e celular me pus a caminhar. A praia, vazia, pouquíssima gente com coragem para encarar o tempo feio. Os pensamentos correram, antecipando atitudes adiadas. Ano novo, perrengues velhos. A decepção pela falta de vento pairava no ar. Soprei esta idéia para longe, os dias haviam sido ótimos para o Tomaz, a previsão dizia que o tempo ia melhorar.

Nos dois dias anteriores havíamos ido à uma das praias mais chocantes que já vi, a praia de Coqueirinho – PB. Uma criança na praia é como um pinto no lixo. Eu também. Passamos horas fazendo buracos, jogando bola, correndo das ondas, construindo pistas para seus carrinhos. A pázinha de plástico virou a Bessie, a máquina de asfaltar do Relâmpago McQueen. Eu alisava com ela um pequeno circuito na areia e pronto, lá estava nossa pista, palco de intermináveis corridas. Mas a fonte inesperada de alegria para o pequeno foi o hotel.

O Tambaú é um hotel redondo. São dois círculos concêntricos, separados por um grande jardim. Quando o adentramos pela primeira vez ele nos desnorteia, porque você pode chegar ao seu quarto indo para ambos os lados. O jardim tem vários caminhos e alamedas. O círculo interno concentra a área de serviços do hotel, no círculo externo estão os apartamentos. Começamos a fazer caminhos diferentes ao sair e ao chegar no quarto, eu dizia que eram os caminhos secretos, ele adorava, porque sempre havia alguma novidade. Sempre havia números diferentes.

Meu guri, um numerófilo selvagem, não se cansava de olhar as portas, ler e falar cada número de apartamento. Os apartamentos deste hotel tem números nas portas (uau) e, repetido, no alto do vão da dita cuja, estes iluminados por trás. Os apartamentos térreos tem também, à sua frente, pequenos postes iluminados com seus respectivos números. Devia ser comum achar hóspedes rodando à esmo em busca do quarto perdido, daí o esmero.

Outra peculiariedade é que a centena não corresponde ao andar. Não é possível, a partir do número do apartamento, descobrir em que andar ele está. O apartamento 107, o nosso, estava no segundo andar. Havia apartamentos 300 no térreo e no segundo andar, assim como os 400. Existe uma ala no terceiro andar onde encontramos alguns apartamentos 200. Para completar, alguns apartamentos estavam com as luzes dos números apagadas, outros não. Muitas variáveis, equações multi-diferenciais. Tomaz no País da Matemágica. Pensar que tudo começou com o contador de andares do elevador lá de casa. Do térreo ao décimo-sexto, dezessete símbolos piscando num painel de vidro. Toda sua vida. Será que se ele morasse num andar baixo ele teria se apaixonado igual pelos números?

O resultado dessa esbórnia numérica era que sempre que íamos sair eu precisava arrastar o menino que calculava, o passo incerto, perdido no paraíso matemático.
– “Papai, vamos ver os números diferentes?”
– “Papai, porque estes aqui estão apagados?”
– “Papai, qual é o ‘centos’?”

Todo o tempo segurando dois carrinhos, apostando corrida, a mão esquerda contra a mão direita. Pista parede, pista banco, pista mesa, pista corrimão, pista lisinha, pista pedra, pista quadradinhos, pista travesseiro, pista bolinhas, ‘pista’ tudo. Meu piloto… (continua)