Será que o Fê vai voltar a escrever?

Ontem, em Araçatuba, uma moça apareceu com o meu livro. Pra quem não sabe, eu publiquei um livro em 2012. Ela tinha conseguido o livro recentemente, estava encantada com o que havia lido, e queria o meu autógrafo. Fazia alguns anos que eu não autografava meu livro, bateu uma nostalgia. Meu livro é uma coletânea de blogs, ou crônicas, que eu escrevi entre 2006 e 2010. Vamos chamá-los de blogs, porque eram publicados na internet. Ela falou que eu deveria voltar a escrever. Não foi a primeira pessoa que me falou isso, nesses sete anos que se passaram desde o lançamento do meu livro. Uma vez eu disse que a escrita iria me libertar. Porque voltei para a prisão?

Porque parei? A primeira resposta, a mais fácil, são as redes socias. Durante os anos em que escrevi os blogs, a partir de situacões que vivi na estrada com a minha banda, o Twitter e Facebook nem existiam ainda, ou estavam engatinhando. Eu tinha um perfil no MySpace, e queria que as pessoas fossem lá ouvir o som que eu estava produzindo com o Hotel Básico. Meu plano super-secreto era que os fãs do Capital Inicial iriam ler meu blog, para saber das minhas impressões sobre os shows que eles tinham acabado de ver, e acabariam ouvindo as músicas do Hotel Básico que estavam lá. Mas fãs do Capital Inicial só querem saber do … Capital Inicial.

O Hotel Básico é meu xodó. Eu, quando formei o Capital Inicial, era um compositor. Escrevia letras, que formaram nosso primeiro repertório. Em 1988 comecei a compor música eletrônica, mesmo sem entender de harmonia e teoria musical. O computador permitiu que quem ouvisse música dentro de si, na cabeca ou no coração, mas não tocasse guitarra, baixo, ou piano, criasse música. Juntar notas e acordes numa coisa que poderia virar uma canção. Eu sou louco por canções. Adoro quando vejo uma combinação de letra e música tornar este mundo miserável mais amistoso, mais divertido e interessante. Ou perigoso e desafiador.

No ano passado, encontrei uma amiga minha de Goiânia. Eu a conheci no início dos anos 2000, após o sucessso do disco MTV Acústico. Ela falou que eu não participava das festinhas pós-show. Era uma das lembranças que ela tinha de mim. Pensei a respeito. Talvez fosse porque eu voltava para o hotel e ia escrever. Ou não era convidado. Quem quer saber de um azarão calado? Um autor famoso americano do seculo XX, falou que, quando estava escrevendo, não estava vivendo. Norman Mailer? Fitzgerald? Não sei. Procurei no Google, não apareceu esta quote. Mas, eu me lembro, quando estava escrevendo, eu saia do mundo, e encontrava outro, que eu criava na tela do computador a partir das minhas experiências. E, quando lia, sabia que tinha valido cada momento que havia passado ali, longe da balada mas perto de mim.

Um sentimento me acompanhou durante muito tempo. Eu achava que os outros estavam sempre se divertindo mais do que eu. A grama do vizinho é sempre mais verde. Essa ideia bizarra me levou, muitas vezes, a ser o último a sair da festa. E a arrumar problemas.

Quero voltar a escrever. Quero mijar na porra da grama do vizinho. Escrever é o oposto da música. A música acontece e depois some. Todos sempre voltam para mais, porque o que eles sentiram naquele momento foi transformador nas suas vidas. Escrever, ninguém está vendo. Mas, quem lê, encontra outro mundo, e se gostar, sempre poderá voltar.

Quando você escreve você está sozinho com seus demônios e fantasmas. Os anjos não aparecem porque sabem que não participam das melhores histórias. Eles te salvam pra você poder falar dos demônios, eles sim, que bagunçaram teu rolê. Rolê sem bagunça não é rolê. Esses demônios, você os exorciza nas palavras. Nas canções.  Exorciza ao mesmo tempo que agradece. Heaven is a place where nothing happens, disse os Talking Heads. Good girls go to heaven, bad girls go elsewhere. Queremos saber sobre as bad girls, né? E não queremos saber de lugares onde nada acontece, né?

Um pouco de mentira aí. Gosto de lugares onde nada acontece. Cada vez mais sinto vontade de sumir. Deixar o Fê Lemos descansar. Ser um sujeito sem predicados. O Antonio, quem sabe. Mas meus predicados me definem, é melhor você aceitar sua sombra, porque ela sempre estará ao seu lado…

No show de hoje em são Paulo, quando consegui olhar as pessoas nos olhos, no final do show quando fui para a frente do palco, eu vi dezenas, centenas, de olhos que brilhavam, extáticos, vivos, amando e ligados. Esses olhos, esses olhares, são o que perseguimos, o que nos faz sentir vivos, o sentido a este circo todo, uma razão para o perrengue que é a vida na estrada. Meu escritório é na praia, mas cobra um preço alto. 

A paixão de vocês vale o preço.

Uma resposta to “Será que o Fê vai voltar a escrever?”

  1. Marcinha Says:

    Aeeee Feeeeee!!!! Adoro seus blogs. Acompanhei o myspace e sim, lia ouvindonseu som!!!! Continue a escrever. É bom demais!

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