RIP Negrete

Mais um amigo que se vai. Mais um da turma de 62, se não me engano. Cara, queria apenas dizer que eu me lembro de quando eu te conheci. Na verdade, eu conheci tua reputação antes de te conhecer.

Todo mundo falava de um tal de Negrete da 8. Era o cara mais forte da parada. Tipo assim, ninguém podia nem pensar em se meter com esse tal de Negrete. Lembro disso, de imaginar um cara forte demais, que poderia acabar comigo com um simples peteleco.

Eu tinha dezesseis anos, estava começando a conhecer a turma da 8. O Geruza. Mais tarde o Loro. Tinha o Neuto, era esse o nome? Tinha alguns outros que não lembro o nome agora, mas lembro dos seus rostos. Todos falavam de você.

A 408. Um território selvagem para este nerd que vivia protegido na distância da Colina. Mas o pessoal da 8 começou a nos frequentar. O ima do punk rock, atraindo aqueles deslocados, desclassificados, párias da disco music e da caretice geral brasileira do final dos anos 70.

Tinha o Baile da ASCB. Todos domingos. O único lugar para ir próximo, dava pra ir a pé. Ia toda a galera da Asa Norte. Eu me lembro do medo que senti as primeiras vezes que fui. Lembro de algumas outras coisas. Mas neste momento, eu me lembro claramente de quando, finalmente, vi pela primeira vez o tal do Negrete. Aquele ser que povoava meu imaginário, o habitante da 8 mais forte do mundo, capaz de destruir nerds magrelos de óculos num piscar de olhos, Eliminador de Haoles e CDFs, o nemêsis do punkzinho filho de professores universitários.

Na porta da balada, olhava de rabo de olho, preocupado, tenso, esperando a qualquer momento me deparar com o Destroçador…

Eis que então alguém me aponta, cochichando, num certo domingo de 1978:

– Olha lá, aquele é o Negrete! Mas disfarça, não olha direto…

Então eu vi. O cara era negro. Forte. Muito forte. Tipo, os braços eram da grossura das minhas pernas. Um pescoço de tronco de árvore.

Mas… algo me chamou a atenção. Não era a força física. Ela estava lá, mas, surpreendentemente, não era o principal do quadro. Me lembro de vê-lo sorrindo, a primeira vez que botei os olhos nele. Me lembro que não vi a animosidade, a raiva, o terror que esperava encontrar.

Agora eu sei o que eu vi. Eu vi Gentileza. Educação. E, assim, naquele mesmo instante… perdi o medo! Agora percebo que havia encontrado uma pessoa iluminada, embora na hora apenas senti meu coração mais leve. Por ele ser amigo dos meus novos amigos,  por enxergar nele o lado Bom da Força,  me senti tranquilo. Protegido. Eu era amigo do Negrete. O cara mais forte da balada. Ele era um cara legal!

Agora eu era seu amigo, mesmo sem ele saber que eu existia. Eu estava a salvo dos babacas. Eu era amigo do Negrete. Eu era um punk, ele andava com meus amigos punks, ele era um dos nossos. Ninguém mexia com ele. Ninguém ia mexer comigo. Nem com minha turma. O nosso salvo-conduto. O Negrete.

Descansa em paz, baixista extraordinário. A gig no céu está cada vez melhor. Pena não podermos ouvir vocês tocando. A mediocridade aqui embaixo está precisando. Muito.

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3 Respostas to “RIP Negrete”

  1. Fernanda Bulhões Says:

    Em meio ao fato triste, preciso reafirmar o quanto de verdade eu sinto em seus textos. O modo como você descreve me faz sentir e perceber as coisas de forma bem peculiar . Fê, você faz, em meio ao texto, um convite de total interação e sentimento. No mais, desejo que o Negrete descanse em paz. Abraço!

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  2. DjRaffaHenriques Says:

    Muito triste! O Rock brasileiro ficou mais pobre hj!

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  3. Izabela Dâmaso Says:

    Texto Brutal Fê

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