O salão de café é envidraçado do lado do mar, aberto para o lado da piscina. Cadeiras de plástico cobertas com uma capa de pano decadente, encardidas apesar de limpas. As toalhas, cansadas de anos de detergente e ferro quente, magras, poídas. No quarto a tv é antiga, com o velho primo Osmar na tomada, o ar condicionado 8-80. Ou não esfria, ou esfria demais. Um lençol de casal pequeno para as duas camas de solteiro unidas. O tempo e a maresia haviam se infiltrado na alma do grande hotel.
Quem já foi rei não perde a majestade, ou pelo menos não deveria. Não existe outro igual. Na maré alta, os ondas batem embaixo da janela. Você se sente dentro de um navio. Numa ressaca, devem molhar a varanda. Ansiava por uma tempestade que limpasse o céu e a neblina do meu coração, mas a chuva era garoa, eu vagava sem rumo.
Tomaz estava com péssimo apetite. Um copo de suco era um tormento, alguns pedaços de pão faz-de-conta, um gole no iogurte. Nenhuma fruta, nem bolo, nem biscoito. Bel se exasperava, eu contava migalhas, o clima na mesa imitava o lá de fora. Quando o sol ia brilhar, lá vinha a chuva.
O menino começou a se aventurar. Logo perambulava entre as mesas, uma cabecinha loira interrompendo o café dos hóspedes, conferindo o número de cada uma, em busca do fugidio número diferente. Então, voltou correndo:
– “Papai, mamãe, eu vi o passarinho volta-e-vai!”
– “Passarinho volta-e vai?”, a Bel perguntou.
– “É…”, e fez com as mãozinhas para cima, olhando ao redor.
Neste instante um pardal pousou no encosto de uma cadeira, numa mesa próxima.
– “Olha!” ele falou, “Ele voltou!”, e correu para tentar pegá-lo. O emplumado voou assim que ele se aproximou, ele ficou triste. Naquele salão abundavam pardais, acostumados com a presença humana e interessados nas nossas raspas e restos.
Todas as noites são iguais, eu não sei, mas todos os pardais são. Não sei se ele percebeu que o passarinho na verdade eram vários, variações sobre o mesmo tema. Talvez, do seu ponto de vista, próximo ao chão, ele só conseguisse ver um passarinho por vez. Mas desde que viu o primeiro, passou a correr atrás de todos que via. Na vã tentativa de capturá-los? Não sei, ele já devia ter percebido que era impossível alcançar o ser alado. Mas não se cansava, e se divertia.
Passarinho volta-e-vai? De onde ele tirou esta? Porque não vai-e-volta, como todo mundo diz? Mais uma vez subjugado pelo encanto do menino de três anos, relaxei, e, seguindo-o com os olhos, entrei num devaneio. Passarinho volta-e-vai… Comecei a batucar um sambinha na mesa… Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou… Então o refrão se materializou:
Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou/Meu menino ficou triste/Pasarinho voou
Uau! Me senti o próprio Tom Jobim – Passarim quis voar/ Não deu pousou – E veio a melodia, que claro, não tenho como reproduzi-la em palavras, mas a sei de coração. Passei o resto do dia cantando o refrão, virou a música-tema de nossas pequenas férias em João Pessoa.
Estávamos nos levantando para deixar o salão quando um volta-e-vai pousou no chão, próximo à nossa mesa. Antes que ele corresse para tentar pegá-lo eu o interrompi:
– “Pera aí, meu filho, pera aí!” eu falei baixinho, e o segurei gentilmente pelo ombro. Peguei alguns pedaços de pão, entreguei para ele, e disse:
– “Vai bem devagar, e joga o pãozinho para ele!”
Pé ante pé, os olhinhos fixos no passarinho, deixando escapar um sorriso de excitação, ele se aproximou do arisco bípede e jogou o pão em direção ao bicho. Este rapidamente se afastou com alguns pulinhos, então parou, se virou e,… suspense, será que… dois pulinhos em direção ao alimento, Tomaz segurando a respiração, mais dois pulinhos e, sim! pegou o pão com seu bico, deu uma mastigadinha e saiu voando!
– “Viu papai, viu, ele comeu o meu pão!”, meu passarinho exclamava, não cabendo em si de contentamento. Sua mãe deu um sorriso, o primeiro da manhã. Eu fiz um cafuné no meu intrépido ornitólogo, e, recolhendo os seus carrinhos da mesa, olhei para o céu carregado, para o mar de chumbo, para o olhar de cinzas de Izabel, para o menino que já ia longe e cantei, baixinho:
Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou/Meu menino ficou triste/Pasarinho voou (continua)
Tags: Capital Inicial, Chuva, férias, Fê Lemos, Hotel Básico, João Pessoa, mar, pardal, passarim, passarinho, refrão, samba, Tambaú, Tom Jobim
14/03/2011 às 01:14 |
Inspiring
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14/03/2011 às 01:28 |
Adorei Fê, muito lindo! Na espera para a continuação!
Beijos,
Pri
Ps: Agora vou chamar todo pardal de volta-e-vai! Genial!
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14/03/2011 às 01:29 |
Sou estudante de Letras – Literatura e te pergunto por que você não fez essa faculdade… texto super bem escrito, rico nos detalhes… gostei muito, de verdade. Beijos, Fezito!
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14/03/2011 às 01:37 |
Como escreves bem…
Muito bom. Estarei aqui ansiosa pela continuação como sempre, rs.
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14/03/2011 às 01:53 |
As crianças têm a capacidade de enxergar além do que está a sua frente e o seu relato pode demonstrar a pureza desse olhar.
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14/03/2011 às 04:31 |
É mto divertido ver o pai babão que vc é! Mostra na verdade que vc tem um coração de manteiga e que aquela bateria gigante la ao fundo do palco é quase que uma máscara para um ser humano que derrete-se observando a pureza de uma criança! Parabéns Fê! Adoro seus blogs! Bjs
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14/03/2011 às 10:59 |
Poderiamos carregar a pureza de uma criança pra sempre. Pena que crescemos e esquecemos como é bom ver as coisas além do que nossa visão permite.
Não pare nunca de escrever Fê!
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14/03/2011 às 16:26 |
Apesar das belas imagens que o texto me fez visualizar, não estou, ao menos por agora, para comentar sobre o assunto aqui no blog.
Mas alterando um pouco o ditado muito conhecido, importa muito para mim dizer pra ti Fê, que EU sou você ONTEM e não AMANHÃ…
Um abraço de fé e trincheira
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16/03/2011 às 22:25 |
Hum, acho que te achei… espero receber as notificações no e-mail agora! 🙂
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17/03/2011 às 22:51 |
Que delicia de ler..apenas isso a dizer!
me empolgo com suas rimas e faço as minhas..hahaha..
beeeijos pessoa iluminada. [ continua…rs ]
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