Alguém em João Pessoa – parte 2

O salão de café é envidraçado do lado do mar, aberto para o lado da piscina. Cadeiras de plástico cobertas com uma capa de pano decadente, encardidas apesar de limpas. As toalhas, cansadas de anos de detergente e ferro quente, magras, poídas. No quarto a tv é antiga, com o velho primo Osmar na tomada, o ar condicionado 8-80. Ou não esfria, ou esfria demais. Um lençol de casal pequeno para as duas camas de solteiro unidas. O tempo e a maresia haviam se infiltrado na alma do grande hotel.

Quem já foi rei não perde a majestade, ou pelo menos não deveria. Não existe outro igual. Na maré alta, os ondas batem embaixo da janela. Você se sente dentro de um navio. Numa ressaca, devem molhar a varanda. Ansiava por uma tempestade que limpasse o céu e a neblina do meu coração, mas a chuva era garoa, eu vagava sem rumo.

Tomaz estava com péssimo apetite. Um copo de suco era um tormento, alguns pedaços de pão faz-de-conta, um gole no iogurte. Nenhuma fruta, nem bolo, nem biscoito. Bel se exasperava, eu contava migalhas, o clima na mesa imitava o lá de fora. Quando o sol ia brilhar, lá vinha a chuva.

O menino começou a se aventurar. Logo perambulava entre as mesas, uma cabecinha loira interrompendo o café dos hóspedes, conferindo o número de cada uma, em busca do fugidio número diferente. Então, voltou correndo:
– “Papai, mamãe, eu vi o passarinho volta-e-vai!”
– “Passarinho volta-e vai?”, a Bel perguntou.
– “É…”, e fez com as mãozinhas para cima, olhando ao redor.
Neste instante um pardal pousou no encosto de uma cadeira, numa mesa próxima.
– “Olha!” ele falou, “Ele voltou!”, e correu para tentar pegá-lo. O emplumado voou assim que ele se aproximou, ele ficou triste. Naquele salão abundavam pardais, acostumados com a presença humana e interessados nas nossas raspas e restos.

Todas as noites são iguais, eu não sei, mas todos os pardais são. Não sei se ele percebeu que o passarinho na verdade eram vários, variações sobre o mesmo tema. Talvez, do seu ponto de vista, próximo ao chão, ele só conseguisse ver um passarinho por vez. Mas desde que viu o primeiro, passou a correr atrás de todos que via. Na vã tentativa de capturá-los? Não sei, ele já devia ter percebido que era impossível alcançar o ser alado. Mas não se cansava, e se divertia.

Passarinho volta-e-vai? De onde ele tirou esta? Porque não vai-e-volta, como todo mundo diz? Mais uma vez subjugado pelo encanto do menino de três anos, relaxei, e, seguindo-o com os olhos, entrei num devaneio. Passarinho volta-e-vai… Comecei a batucar um sambinha na mesa… Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou… Então o refrão se materializou:

Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou/Meu menino ficou triste/Pasarinho voou

Uau! Me senti o próprio Tom Jobim – Passarim quis voar/ Não deu pousou – E veio a melodia, que claro, não tenho como reproduzi-la em palavras, mas a sei de coração. Passei o resto do dia cantando o refrão, virou a música-tema de nossas pequenas férias em João Pessoa.

Estávamos nos levantando para deixar o salão quando um volta-e-vai pousou no chão, próximo à nossa mesa. Antes que ele corresse para tentar pegá-lo eu o interrompi:
– “Pera aí, meu filho, pera aí!” eu falei baixinho, e o segurei gentilmente pelo ombro. Peguei alguns pedaços de pão, entreguei para ele, e disse:
– “Vai bem devagar, e joga o pãozinho para ele!”
Pé ante pé, os olhinhos fixos no passarinho, deixando escapar um sorriso de excitação, ele se aproximou do arisco bípede e jogou o pão em direção ao bicho. Este rapidamente se afastou com alguns pulinhos, então parou, se virou e,… suspense, será que… dois pulinhos em direção ao alimento, Tomaz segurando a respiração, mais dois pulinhos e, sim! pegou o pão com seu bico, deu uma mastigadinha e saiu voando!

– “Viu papai, viu, ele comeu o meu pão!”, meu passarinho exclamava, não cabendo em si de contentamento. Sua mãe deu um sorriso, o primeiro da manhã. Eu fiz um cafuné no meu intrépido ornitólogo, e, recolhendo os seus carrinhos da mesa, olhei para o céu carregado, para o mar de chumbo, para o olhar de cinzas de Izabel, para o menino que já ia longe e cantei, baixinho:

Passarinho volta-e-vai/Foi embora e não voltou/Meu menino ficou triste/Pasarinho voou (continua)

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10 Respostas to “Alguém em João Pessoa – parte 2”

  1. Thays Couto Says:

    Inspiring

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  2. Priscila Bleidorn Says:

    Adorei Fê, muito lindo! Na espera para a continuação!
    Beijos,
    Pri

    Ps: Agora vou chamar todo pardal de volta-e-vai! Genial!

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  3. Lice Says:

    Sou estudante de Letras – Literatura e te pergunto por que você não fez essa faculdade… texto super bem escrito, rico nos detalhes… gostei muito, de verdade. Beijos, Fezito!

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  4. Nayara Says:

    Como escreves bem…
    Muito bom. Estarei aqui ansiosa pela continuação como sempre, rs.

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  5. Andrea Vidal Says:

    As crianças têm a capacidade de enxergar além do que está a sua frente e o seu relato pode demonstrar a pureza desse olhar.

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  6. Marcinha Says:

    É mto divertido ver o pai babão que vc é! Mostra na verdade que vc tem um coração de manteiga e que aquela bateria gigante la ao fundo do palco é quase que uma máscara para um ser humano que derrete-se observando a pureza de uma criança! Parabéns Fê! Adoro seus blogs! Bjs

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  7. Magda Says:

    Poderiamos carregar a pureza de uma criança pra sempre. Pena que crescemos e esquecemos como é bom ver as coisas além do que nossa visão permite.

    Não pare nunca de escrever Fê!

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  8. Bruno Torres Says:

    Apesar das belas imagens que o texto me fez visualizar, não estou, ao menos por agora, para comentar sobre o assunto aqui no blog.

    Mas alterando um pouco o ditado muito conhecido, importa muito para mim dizer pra ti Fê, que EU sou você ONTEM e não AMANHÃ…

    Um abraço de fé e trincheira

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  9. amandawirthmann Says:

    Hum, acho que te achei… espero receber as notificações no e-mail agora! 🙂

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  10. Geeh - Recife Says:

    Que delicia de ler..apenas isso a dizer!

    me empolgo com suas rimas e faço as minhas..hahaha..

    beeeijos pessoa iluminada. [ continua…rs ]

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